quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mulheres têm pouco espaço no cenário eleitoral

De acordo com estudo, participação feminina será menor do que o estipulado por lei. De acordo com especialistas, falta de incentivo e investimentos, além de uma política conservadora machistas, são as causas da ausência da mulher no cenário político

Michelle Amaral,
da Redação

Mesmo representando a maioria do eleitorado brasileiro- cerca de 51% dos 130 milhões de eleitores- as mulheres têm baixa participação no cenário político brasileiro: apenas 21,33% dos candidatos às próximas eleições são do sexo feminino. Os dados foram apresentados em um estudo feito pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SEPM), que também revela que nenhum partido cumpriu a cota mínima de 30% de mulheres no total de candidaturas para as câmaras municipais, exigência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nas candidaturas à prefeitura, todos os Estados da federação também apresentaram índices baixos de participação feminina. Apenas em Porto Alegre (RS), a cota foi superada (50%), onde há quatro candidatos de cada sexo concorrendo à prefeitura.
Para especialistas, o baixo nível de participação das mulheres na política brasileira é resultado de questões culturais e sócio-econômicas, tais como a idéia de que o papel da mulher é ser cuidadora do lar, marido e filhos. Ainda que trabalhe fora ou realize outras atividades, ela deve se dedicar aos trabalhos domésticos.

Visão machista e conservadora

De acordo com Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de Articulação Institucional da SEPM, apesar da mulher ter assumindo papéis de visibilidade nas áreas da educação e do trabalho, existe a cultura de que o espaço político não é legítimo para ela. Para Sônia, trata-se de uma “visão machista e conservadora da sociedade brasileira”, em que o meio público é reservado ao homem, enquanto a mulher deve ficar em casa.
Esta mesma opinião é compartilhada pela cientista política e consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Patrícia Rangel, que acredita que o sistema eleitoral brasileiro é excludente, não somente para as mulheres, como também para as minorias. Ela afirma que a baixa participação feminina não se deve a falta de vontade das mulheres, mas sim por causa das barreiras impostas pelo sistema político-eleitoral brasileiro. “Trata-se de um sistema branco e masculino”, afirma Rangel.
Outro aspecto tido como preponderante na baixa participação da mulher na política é a falta de investimento em políticas de incentivos, tanto por parte do governo quanto dos partidos. Sônia Malheiros explica na retórica se chama as mulheres à política, mas, na prática, há somente investimentos para candidaturas masculinas.
“Nos últimos anos, a eleição passou a ser disputada por quem tem mais dinheiro, não são mais as idéias que contam. Nesse jogo, as mulheres dificilmente ganham”, observa Laisy Morière, secretária nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT).

Desigualdades persistentes

O cenário político é um espaço significativo de decisão e, historicamente, foi e é dominado pelo homens. A primeira eleitora, não só do Brasil como da América Latina, foi Celina Guimarães Vianna, que teve seu nome incluído na lista de eleitores do Rio Grande do Norte, em 1927. Contudo, o direito ao voto só foi conquistado por todas as mulheres em 24 de fevereiro de 1932, quando foi promulgado o Código Eleitoral que igualava a mulher aos homens: o eleitor era descrito no código como "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo...".
Historicamente, a mulher alcançou espaços de maior visibilidade na sociedade brasileira. A conquista do direito ao voto, o ingresso ao mercado de trabalho e o acesso aos estudos são passos importantes na afirmação de igualdade entre homens e mulheres. Contudo, a visão conservadora de mundo de que o espaço público é naturalmente dos homens e à mulher é reservado o espaço da casa, ainda persiste em nossa sociedade, de acordo com Sônia Malheiros.
“No trabalho, ocupamos todos os espaços. Já temos maior escolaridade do que os homens”, conta Maria Amélia Teles, da organização não-governamental União de Mulheres do Município de São Paulo. Mas, apesar dessas conquistas, ela ressalta que a igualdade plena entre gêneros não foi alcançada. “A desigualdade nas relações de gênero ainda prevalece em todos espaços e instituições. Nossos salários continuam menores. Isto afeta diretamente as relações de poder. Ainda somos menos empoderadas do que os homens”, lamenta.
Mudança de mentalidade
Apesar disso, Maria Amélia aponta que não se pode negar que, entre muitos, a igualdade de direitos entre mulheres e homens já é reconhecida, e que cada vez mais a mulher tem conseguido que se façam leis e políticas públicas para a defesa de direitos iguais. Porém, “a mudança de mentalidade se faz lentamente e mais: os homens (nem todos) não querem perder seus privilégios”, pondera.
Para a feminista, a sub-representação da mulher é fruto do nosso sistema capitalista, que lucra com a desigualdade de gênero. Ela afirma que as mulheres são sobrecarregadas de tarefas, que em maior parte não trazem custos ao sistema. “As mulheres fazem muitos trabalhos inteiramente gratuitos como as tarefas domésticas, os cuidados com crianças, idosos e doentes. Somos nós que realizamos 2/3 do trabalho mundial e grande parte deste trabalho não custa nada para os capitalistas”, analisa Maria Amélia “As mulheres ainda são as cuidadoras da família, fica difícil sair de casa para participar. O Estado e a sociedade precisam assumir os cuidados com a família. A divisão sexual do trabalho doméstico está no campo privado, enquanto não houver uma intervenção nesse processo a mulher continuará em casa”, enfatiza Laisy Moriére.

Tripla jornada

Como resultado, a mulher que conquista espaço no mercado de trabalho tem de realizar uma dupla jornada. “A mulher é responsável pelo cuidado do lar e, se trabalha, ela acaba fazendo uma jornada dupla de trabalho, no serviço e depois em casa”, esclarece Patrícia Rangel, que acredita que, ao se engajar na política implica, a mulher é submetida a uma jornada tripla de trabalho.
Para garantir uma plena participação das mulheres, é necessário que se mude a lógica do sistema político, econômico e social, acredita Maria Amélia. “A política tal qual está concebida está distante da vida da maioria das mulheres. Quem vai se responsabilizar pelas crianças se as reuniões dos partidos políticos terminam tarde da noite?”, questiona.
Os abusos, como o fato de que no Brasil a cada 15 segundos uma mulher é espancada por seu companheiro ou ex, também são barreiras à realização de política por parte das mulheres. “Há necessidade de se fazer uma inversão da agenda política, priorizando as questões das mulheres. Assim se garante mais eqüidade na família, na comunidade, no trabalho e na política. Assim as mulheres poderão disputar espaços políticos de maneira mais justa, mais equilibrada, sem tanto desgaste” enfatiza Maria Amélia.

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